Seja bem-vindo ao blog dos Tarimbados, onde exploramos com mais detalhes as técnicas, dicas, truques e sugestões que fazem a diferença na cozinha.
Voltar22/09/2021
No meu artigo anterior, O Livro de Apicius, prometi que iria falar sobre o garo (em latim: garum), lembra? Pois bem, aqui estou.
Normalmente
escrevo sobre informações e conhecimentos confirmados, ou consagrados, como
preferirem, mas no caso desse artigo vou tratar de algo que “apenas” suspeito,
portanto, não entenda como certo e conclusivo o que vou escrever adiante.
Isso pode
ser arriscado, é verdade, pois o que vou escrever aqui pode não se confirmar e
minha reputação ficar maculada, mas, modéstia à parte, não costumo errar minhas
suspeitas, pelo menos não no nível em que essa está. De mais a mais, acho que
errar, se isso não se confirmar, faz parte do processo de aprendizado.
Do que estou
falando, você deve estar se perguntando.
...
(suspense)
Vamos lá: em
algum momento, e por alguma outra razão que não me recordo qual foi, descobri a
existência do garo, esse tempero que os romanos antigos usavam em sua culinária
diária.
Sabem como
é, né? A gente às vezes começa uma pesquisa na internet numa direção e um
detalhe, uma informação inesperada nos leva para outra.
Fato é que fiquei fascinado com minha descoberta e ao mesmo tempo extremamente curioso para saber por que algo que era tão popular, tão amplamente utilizado no dia a dia dos romanos, simplesmente deixou de existir.
Clique aqui
e encontre receitas com os ingredientes que você tem na sua geladeira e na sua
despensa
O garo era
um condimento elaborado a partir do sangue, vísceras e de outras partes dos
chamados “peixes de sangue”, com destaque para o atum (o verdadeiro, no caso,
das águas mediterrâneas) ou a cavala, misturados com peixes pequenos,
crustáceos e moluscos. Tudo isso era esmagado em uma espécie de lagar e deixado
em salmoura por um período de cerca de dois a três meses, fermentando em barris
que alternavam períodos tampados e destampados.
Essa elaboração se dava em instalações que ficavam fora das cidades e vilarejos, por motivos óbvios: o cheiro da fermentação do garo era insuportável.
Aliás, arrisco-me a dizer que talvez tenha sido essa a razão da descontinuidade da sua produção, e consequentemente do seu uso.
Fato é que durante a Roma Antiga, o garo era tão amplamente consumido que se tornou um importante produto de exportação dos romanos, que o transportavam em ânforas, em suas embarcações pelo Mediterrâneo, de uma cidade a outra do seu império. Existem registros de exportação de garo para Atenas, no século V a.C., e há vestígios arqueológicos de “fábricas”de garo na Península Ibérica, na Espanha e no sul de Portugal e até em Israel.
O garo, que possuía distintas receitas e diferentes qualidades, era usado em quase todas as preparações culinárias da Roma Antiga, com o intuito de lhes acentuar o sabor, às vezes até substituindo o sal.Novamente: por que um produto tão essencial para o dia a dia dos romanos, e tão significativo economicamente, caiu em desuso?
A Tarimba na Cozinha é gratuita. Basta fazer seu cadastro de usuário.
Clique aqui
Pois foi me
questionando insistentemente sobre isso que me dei conta de que o garo é, na
verdade, um tipo de molho de peixe, como é inclusive definido por muitos, e esse
tipo de condimento não deixou de ser
utilizado, pelo contrário, ainda é muito utilizado, no entanto em locais mais
distantes, mais precisamente na culinária asiática, com destaque para a
Tailândia e para o Japão, onde existe uma grande variedade de condimentos do
tipo “molho de peixe”.
No Japão destacaria
ainda um ingrediente fundamental utilizado em bases diárias na culinária
doméstica, que é o dashi, uma espécie de caldo básico que tem como um dos seus ingredientes, além da alga kombu, o katsuobushi,
ou seja, uma conserva seca de carne de atum-bonito (Katsuwonuspelamis) comercializado
e utilizado em forma de lascas ou flocos.
Vejam só, um
peixe da mesma família (Scombridae) do atum e da cavala, aqueles que “emprestavam”
suas vísceras para a elaboração do garo.
Isso me fez
“acender aquela luzinha”.
O dashi e o garo se utilizando de ingredientes e processos de conservação tão próximos?
Torne-se um Cozinheiro Tarimbado para sempre.
Clique aqui e se torne um usuário da nossa solução
Bem, eu sei que os japoneses priorizam em sua culinária o umami, o chamado
quinto elemento do gosto (doce, amargo, salgado, ácido e umami), descoberto no
início do século passado pelo professor de química japonês Kikunae Ikeda.
Todavia, só recentemente o umami foi reconhecido de maneira científica pelos
pesquisadores (vamos dedicar um ou mais artigos para falar sobre umami aqui no
blog, fique tranquilo).
É fruto
dessa descoberta, que se tornou, eu diria, quase obsessão, que produtos como o
atualmente controverso Glutamato Monossódico (GMS) foi desenvolvido.
...Mas
voltando ao garo:
Teriam então
os antigos romanos descoberto e passado a valorizar o quinto elemento do sabor mais
de vinte séculos antes de sua revelação científica? Seria o garo um elemento
consciente de acréscimo de umami às preparações culinárias da Roma Antiga?
Se isso for verdade, seria uma grande reviravolta no entendimento da História e da Culinária, não acham?
Experimente o jeito tarimbado de cozinhar Clique aqui e faça seu cadastro gratuito.
Os garos de hoje
Estou empenhadíssimo
em tentar melhor entender essas conexões entre o garo e o umami e, como parte
desse processo, tenho inclusive experimentado receitas usando um garo que
descobri à venda aqui em São Paulo, produzido pela Companhia dos Fermentados.
Não sei o quanto esse garo que uso se parece e tem o mesmo efeito que o garo
ancestral, mas estou empenhado em descobrir isso.
Só para conhecimento:
a Companhia dos Fermentados não é a única a resgatar essa receita ancestral; na
verdade existem muitos outros curiosos e especialistas dedicando-se a isso.
Dentre
tantos, talvez mereça destaque o garo produzido pela El Majuelo, em Jerez de la
Frontera (Cádiz) desenvolvido a partir do resgate de uma receita milenar, o
qual ainda não tive a oportunidade de experimentar, mas digo isso porque,
segundo registros históricos, eram da península ibérica os melhores garos
produzidos na Roma Antiga.
Enfim, temos
ainda muito para falar sobre esse elixir do bom sabor.
Sigamos por aqui!
Sobre o autor: André Victória da Silva é Sócio Fundador e Head de Estratégia e Inovação da Culinar, a criadora e proprietária da Tarimba na Cozinha.
Se ainda não for um Tarimbado, CADASTRE-SE agora e acesse nossas receitas e todas as demais facilidades da plataforma GRATUITAMENTE.